sábado, 2 de abril de 2011

A Floresta Sagrada

A Floresta Sagrada é morada das árvores anciãs, que nos orientam a sustentar nosso viver; das tempestades intensas, que nos ensinam como somos afetados pelos elos e conexões com as leis naturais. Ela é também lar das calmas chuvas que animam nossos passos suados e cansados; dos peixes, que nos despertam para fluir nos caminhos das águas da vida; dos mosquitos, que nos alertam sobre o cuidar de si; dos sapos, que anunciam o próximo dia; das borboletas, que nos ensinam a responsabilidade da transformação e a busca da origem de quem realmente somos. Afinal, somos natureza, floresta... Somos vida.

O ser humano se distanciou do Sagrado e vê a natureza com objetivos ilusórios de poder e controle, provocando a infeliz trajetória de destruição da vida, do desmatamento, da biopirataria, da manipulação da vida em laboratório.

O homem cria meios de finalizar o ciclo natural, como a monocultura, na qual um vegetal é rigidamente confinado com fins produtivos, para obter quantidades absurdas de produtos, trocando o “sistema natural” pelo "egossistema".

Essa atitude gera um grande desequilíbrio e, no caso de uma floresta nativa, que acompanha o ciclo natural do existir em elo, um vegetal auxilia a continuidade de outra espécie vegetal. Já o plantio de uma só cultura produz uma infinidade de impactos ambientais, disseminando problemas e doenças, e levando os seres humanos a mexer intensamente na genética da planta para compensar o erro original; e faz isso sem qualquer lucidez ou ética.

Os ciclos estão sendo rompidos com imensa facilidade. Mesmo com a natureza ensinando que se leva um tempo enorme para construir, além de muito trabalho, e que destruir é muito mais rápido, a arrogância do ser humano faz com que pense que tem o poder em suas mãos, levando-o a criar condições terríveis para a continuidade da vida na Terra.

O excesso de informação corrompida leva-o a pensar que viver numa floresta é algo absurdo, primitivo. Esse tipo de pensamento sequer deixa espaço para a mente criar uma tecnologia natural voltada a nutrir a terra e a viver em harmonia com as florestas do mundo.

As florestas do mundo são o mundo, e nós seres humanos somos filhos destas várias mães, que nos sustentam, nos ensinam, nos alertam para a condição de seres vivos. Desta maneira, desconsiderar o que é uma floresta é negar a própria origem, apagar o caminho de nossa existência, acreditando que poderemos reverter facilmente o mal que realizamos.

A sociedade contemporânea prioriza o instantâneo, afirmando que necessitamos viver enquanto existe vida e deixando que nossos filhos e netos dêem um jeito na situação, vendendo a falsa idéia que, com o avanço tecnológico, alcançaremos uma solução sem esforço, dando a esperança de que não precisaremos fazer nada para consertar o que fizermos de errado, pois a tecnologia a “ser descoberta” o fará.

Essa maneira de pensar afirma que a floresta se encontra sentenciada ao desaparecimento e, então, busca aproveitar o agora, porque amanhã ela não existirá mais. Isso sem contar as terras que são vendidas ou doadas para fins agropecuários, para pessoas sem amor ou compreensão do ecossistema, da biodiversidade e dos mais simples fluxos da vida.

Quando uma pessoa entra numa floresta somente para se divertir, por curiosidade, ela não absorve a lucidez que a vida natural ensina. Ela está ali pela superficialidade da experiência e acaba se deixando levar pela falta de atenção, deixando passar um vegetal que está à sua frente, passando para outra planta que se encontra adiante, limitando sua percepção visual, auditiva e sinestésica a um minúsculo mundo de querer e desejar. Sem saber por que realmente está fazendo aquilo, perde a real extensão da mãe-natureza.

Se vivêssemos segundo o equilíbrio e a sabedoria dos elos e da natureza, poderíamos crescer e sustentar todas as pessoas que existem no planeta hoje. Bastaria seguir a sabedoria do fluxo das leis naturais, e este pensamento, transformado em atitudes reais, proporcionaria uma visão apurada do que é uma floresta. Deixaríamos a visão de “bicho na natureza selvagem” e reconheceríamos que uma formiga é um ser tão sábio quanto uma onça, que os cupins são tão nobres quanto uma arara, que os pernilongos são os guardiões da floresta. Nossa visão se ampliaria e mudaria.

Abrindo nosso campo interno para acolher a vida, conseguimos observar a natureza para entendê-la. O ser humano adquire a capacidade de ir além do visível, dos dados técnicos e mapas gráficos, passando a ser um com a natureza.

O externo se conecta com o interno e, nesta nova condição, pode entender que a floresta é o portal de retorno ao Sagrado, o local em que todos os meios sensoriais se comunicam em amplas freqüências, um ponto em que percebemos o espiritual em tudo.

Nesse caminho, compreendemos que as árvores conversam em um sistema avançadíssimo de conexão, no qual vibrações são transferidas a longas distâncias e se materializam em movimentos como aromas, campos magnéticos, fluxo de temperatura, entre outros milhares de manifestações próprias dos seres que já estão num nível de consciência expandida.

O tempo, nesse ponto, é diferente. Basta observar uma árvore com 150 anos. Nascida de uma semente, viveu cada etapa desse tempo, passando por vários momentos como chuva, calor, frio. Nela, vários seres fizeram ninhos, viveram e morreram por gerações e, como uma mãe, ela sustentou esses ciclos de existência.

Nos ciclos da natureza observamos nascimento, vida, morte e renascimento. No nascer físico de um ser humano, o feto é a reunião biológica de um novo corpo para um ser que é antigo como espírito. Essa ação produz para este novo ser uma oportunidade para seu amadurecimento, na vida física.

Essa mesma situação ocorre com uma semente no ciclo de vida de uma árvore, no qual ocorrem a gestação, o desenvolvimento dessa vida, o parto, a infância, a adolescência, a maturidade e a velhice, ensinando a planta sobre a sabedoria do renascimento

No crescimento da árvore, em seu amadurecimento, há a vinda das flores, dos frutos e, com eles, as sementes. Estas caem das árvores e encontram o solo. Essa aparente queda das sementes é a doação sagrada, o parir de uma nova vida, e esse cuidado é tão amplo que muitas árvores soltam suas folhas ao solo, formando um manto sustentador no qual as sementes vão cair, manifestando naturalmente sua germinação. E na semente encontra-se toda a potência e sabedoria da árvore-mãe que, pouco a pouco, irá se manifestar em plenitude.

Essa nova árvore é a essência de sua mãe-anciã; o corpo desse vegetal é novo, mas sua essência é a mesma que a mais antiga de sua espécie; embora a árvore seja da mesma espécie, em seu crescimento, ela irá mostrar um movimento próprio mediante seu entrecruzamento com os ventos, com a chuva, com os raios do sol, além de outros milhares de entrecruzamentos. E assim a vida expressa sua beleza de dentro para fora, da origem para a extensão.

A floressta ensina pelo silêncio. Basta observar o tronco de uma árvore por dentro e perceberemos vários movimentos nas fibras ou estruturas: são as “palavras de ensino” que a sabedoria daquela árvore nos transmite. Por exemplo: a existência de árvores mais fibrosas do que outras; de madeira dura e madeira mole; os pontos de reunião, conhecidos como "nós"; regiões expandidas, por esta razão, mais claras e moles.

Os caminhos na fibra são usados como um guia pelo marceneiro no momento em que precisamos materializar algum utensílio para nossa vida, pois são expressões da sabedoria das árvores. Ao segui-los, poderemos notar que a materialização do utensílio fica mais clara, tranqüila e simples.

As árvores não falam com palavras. Seu idioma são os movimentos de suas fibras, suas cores e toda sua manifestação como seres da natureza. Quando uma árvore já realizou toda a sua expansão e se encontra na velhice, isto fica aparente em suas cascas e poderemos observar em suas folhas o caminho da morte.

E nesse movimento da lei cósmica ocorrerá a reunião e a expansão, e a árvore morrerá de um estado para renascer em outro. Seus pedaços apodrecidos dentro da floresta úmida são os mantos sustentadores do nascimento de novas vidas, de microrganismos que trarão a força de ignição na germinação e no crescimento de novos vegetais.

Na floresta, há vida em todos os lugares. Mesmo que ela nos pareça vazia, é apenas uma ilusão dos ruídos da mente, pois há muitas vidas embaixo ou acima da terra, no alto das árvores, no céu, em todos os lugares da floresta.

Quando se expande a consciência, caminhar dentro de uma floresta é desenvolver a flexibilidade interna e externa, pois temos de mexer o corpo, adaptar-nos à caminhada. Abaixando-nos para passar debaixo de um tronco, arrastando-nos para atravessar algum local, damos voltas, começando novos caminhos.

E esses são movimentos que estimulam a maturidade espiritual do ser, pois eles nos lembram que, quando a floresta chamar, nós saberemos como entrar devagarzinho, observando o caminho e sempre na direção que o fluxo da vida vai ensinar. 

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